CAMINHOS DE FERRO

Olho o vidro fosco da janela do comboio, a carruagem oscila, mal consigo escrever… mal consigo ver lá fora um dos muitos ‘sois’ desfocados… a paisagem passa trivial… gostava de ser uma pedra do caminho, só para o ver passar… abro a janela, um rebanho, um valado, passam ao meu lado… o trem abranda, quatro casas, uma rua e uma curva, no meio de sitio nenhum… o comboio parte novamente… a estação estava deserta, e deserta ficou… a paisagem foge-me no banco em frente… perco um lavrador, uma amendoeira… um cabo corre ao meu lado… os carris convergem, vejo ao fundo as dunas, e o mar… meto a cabeça fora da janela e sinto o ar a cortar… um canavial asombrado, um raro pinhal, passam ao meu lado, e eu, apenas os vejo passar… sensaçoes incriveis, que só o vento pode dar… os olhos ardem… o comboio apita… acendo um cigarro… … … o vento fuma mais do que eu, ¡não importa!... o fumo não chega a ser fumo perde-se antes no ar… uma recta… o comboio faz-se sentir acelerar, cancelas limitam uma área concessionada que rapidamente se converte em baldios… ao fundo vejo o meu destino, enevoado… debaixo de um sol apodrecido… o trem curva junto ao cais, e abranda… num infinito vazio… ¡procuro dizer o que sinto!... ¡¿mas eu não sinto nada?!... uma mão toca-me com efemeridade e trae-me de volta ao real, olhando-me um momento, sem me olhar… finjo que comprendo…